Publicado em 20/03/2012 11:33

Nonatto Coelho fala sobre o CowParede Goiânia

O artista mineiro Nonatto Coelho, residente de Goiás e autor da “Vaca Anfíbio”, opina sobre um dos maiores e mais bem sucedidos eventos de arte pública do mundo. Leia mais.

O portal de notícias da Editora Saraiva fez uma entrevista com o artista plástico Nonatto Coelho a respeito do COWPARADE Goiânia, e publicou uma síntese da mesma em seu portal de notícias.

O artista, no entanto, enviou ao TUDOIN a entrevista na íntegra, a qual você confere agora.

1. Qual era a visão que você tinha da CowParade antes dela ir para Goiânia? Você já tinha visitado alguma vez essa exposição? Na sua opinião, qual é o significado que essa mostra tem para a população e para a cidade que a recebe?

- O COWPARADE é um movimento de arte  que fascina o público onde é apresentado nas grandes metrópoles, é POP-ART  no sentido mais abrangente da arte, pois vai de encontro ao público nas ruas e muitas pessoas  que não tem hábito de visitar museus e galerias  podem ser introduzidas no mundo da arte; e acho que seus idealizadores foram muito felizes em escolher como suporte para receber a interferência do artista, uma vaca, pois este suporte-vaca, linka a grande cidade ao bucolismo do campo trazendo poesia e ludismo ao habitante da megalópole. Eu sempre quis participar deste movimento desde que vi a sua primeira edição em 1998 na Suíça (Zurique) e gostei a primeira vista, achei que o suporte é um gostoso desafio e estimula a imaginação do artista; acho que o COWPARADE em Goiânia está num ambiente muito natural, afinal a bovinocultura é a moeda corrente de maior circulação em nossa região. A vaca é “cultuada” por aqui. Eu estou contente em ter pintado uma das esculturas em fibra de vidro, e apesar de não fazer arte priorizando valores pecuniários, acho que deveriam ter remunerado melhor os artistas que participam do projeto.

2. Qual é o nome da sua vaca? Qual foi a principal inspiração para esse projeto? Alguma obra sua anterior, por exemplo?

- A minha pintura eu intitulei de “vaca anfíbio”, e tem como ícone a figura dos anfíbios, um tema corriqueiro em minha arte. E imagino que quando falo de anfíbio eu quero falar da vida e das possibilidades da existência de uma “outra” face existencialista como céu/terra, físico/metafísico, quente/frio etc. Os animais que pinto são “coisas da minha mente”, híbridos, que talvez diz sobre um sistema ecológico fragilizado e em constante ameaça pela irracionalidade e ganância do ser humano. Portanto, eu quero crer que o meu tema não se esgota apenas no contorno das figuras que protagonizam os meus trabalhos, os "sapinhos" são metáforas de um mundo em convulsão, eles dizem da vida como um todo.

3. Conte como foi a execução do seu trabalho, quais materiais utilizou, o que gostaria que fosse observado pelos pedestres e admiradores...

- A vaquinha com centenas de figurinhas que pintei fica meio “transparente”, meio invisível no caos urbano, na poluição visual das grandes cidades, acredito que a VACA ANFÍBIO deve ser observada sem pressa pelo transeunte que cruzar com ela pelas ruas da capital goiana, pois tem muitos detalhes que vão se revelando como um quebra cabeça; eu diria que tem algumas “armadilhas” para os olhos e é por isto que requer a atenção e o tempo do espectador, Eu pintei-a com tinta acrílica, e como é de habito eu preencher todo o suporte que recebe minha pintura o que mais me desafiou na tridimensionalidades da peça foi a parte inferior que tive de pintar deitado de costas...

4. Como é a relação da obra produzida para a CowParade com as demais já produzidas por você? Em que elas se aproximam?

- Eu trabalho por fases que duram mais ou menos 10 anos cada etapa, tenho 30 anos dedicado com exclusividade ao metier, no entanto, em arte o tempo é diferente, não se conta na cronologia do dia a dia, nela o tempo é cósmico, 10 anos eu conto como se fosse um ano; e 100 anos fecha-se um  primeiro círculo no elo da vida da arte, quando o artista que a produziu não mais existe e os motivos geradores de sua obra se sedimentam; daí vem uma análise mais distanciada e por vezes  menos afetadas pelas paixões antagônicas que cercam o autor em vida, e são os valores atemporais de sua obra que se faz imprescindível à um demiurgo, é que vai acentuar o valor cultural  da obra. Eu gosto de citar uma frase no mínimo ambígua que ouvi na Grécia que diz: “os primeiros 100 anos são os mais difíceis da vida da gente”; acho que isto explica bem a vida de um artista principalmente num mundo contemporâneo exacerbado de sofismas, mais do que nunca o tempo é o melhor curador; divaguei, mas voltando ao COWPARADE: Fiz da vaca uma extensão de minhas telas atuais, não poderia ser separada de meu momento pictórico.

5. Qual foi a sua maior dificuldade para produzir a vaca?

- Começar uma obra é sempre meio confuso, eu tenho uma idéia do caminho a percorrer, no entanto só quando faço o primeiro traço é que vão surgindo às imagens,  daí vai acontecendo meio que automático e procuro não pensar (dizem que o saber mata a intuição, e esta é muito vital para a arte), desenho primeiro – sou essencialmente desenhista em detrimento do pintor – se tento ser racional não sai nada...,acho que é por isto que acredito não ser possível ensinar  uma pessoa a ser criativa,  a criatividade ainda é um mistério, é um dom que pode se aperfeiçoar no banco de uma escola mas que na sua essência não é possível ensinar. No entanto, no geral eu não me considero um “criativo”, acho que faço uma espécie de treino mental para realizar meu trabalho do qual não acredito ter nada de excepcional; talvez a minha renitência em continuar a cada manhã o meu imaginário iconográfico para um prazer subjetivo é que possa ser fenomenal, pois venho da contradição, no meio familiar e mesmo do país que nasci as questões da arte ainda é desfavorável ao seu cultivo, não reclamo, afinal mestre Picasso dizia que “a arte tem de ser desencorajada”. Falo sempre do COWPARADE, e quando vi o projeto com o desenho da vaquinha no papel, não imaginava o trabalho que seria pintá-la na escala do objeto tridimensional, a irregularidade das formas foi o maior desafio da pintura.

6. Você conhece algum dos outros artistas selecionados para a exposição (ainda que somente de nome, por ter destaque no estado) ou soube de algum trabalho que estará na CowParade e te impressionou?

- O COWPARADE em Goiânia a meu ver teve pouca adesão da classe artística, talvez porque os recursos financeiros oferecidos aos artistas foram irrisórios, eu aceitei a participar por motivo pessoal, gosto da idéia de que o objeto vai estar em campo aberto para o grande público; fui chamado de “burro” em um artigo de um grande jornal de Goiás por aceitar a fazer o trabalho que paga tão pouco aos artistas e que tem (segundo a reportagem) 1.500.000.00 de verba pública envolvida..., tem muita gente boa pintando as vacas, e o nome mais proeminente dentre nós é Siron Franco que foi o convidado especial do evento em Goiânia.

7. O que significa ter a CowParade em Goiânia - uma exposição mundial que, geralmente, passa pelas principais cidades de um país ou grandes centros? Qual o reflexo que isso pode ter para o seu trabalho e para os demais artistas de Goiás?

- Em meu entender, o COWPARADE está um pouco desfocado de seu objetivo fundamental, não sou o primeiro a perceber isto; colegas que participaram ou tiveram contato com outras edições aqui no Brasil argumentam a mesma coisa pela internet; a meu ver na sua fase fundamental tinham preocupações  mais estéticas..., na atualidade esta preocupação está mais diluída em detrimento de ambições mais epidérmicas e imediatista, isto  pode estar acontecendo porque, talvez, os seus organizadores focam mais os lucros do que a qualidade do trabalho.; e é uma pena que um movimento tão singular seja diluído assim. Mas, contudo, ainda assim vejo como positivo esta exposição em Goiânia; uma metrópole pouco assediada por eventos internacionais de arte. Ao contrario de Brasília que tem atraído grandes eventos. Eu gostaria de ter visto outros artistas goianos de maior densidade conceitual envolvidos neste projeto, já que a quantidade de 50 esculturas comporta um numero bem elástico de vagas; não digo que o nível dos selecionados estejam baixos, tem valorosos colegas envolvidos na parada da vaca, mas a meu ver faltou inscrições de artistas que reputo importante no amalgama da arte de nossa região. Da minha parte tentei fazer da melhor maneira, pois me entrego total à tudo que faço no meu trabalho e vou considera isto um bom começo de 2012.

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. Como é o cenário das artes em Goiânia (ou Goiás, caso você resida em outra cidade)? Ateliês, galerias de arte, centros culturais... É possível contar com o apoio de todos e a admiração?

- Goiânia é uma cidade muito nova, ainda não completou o seu primeiro século de vida e a história da arte moderna e contemporânea de nossa capital vai completar 60 anos agora se levar-mos  em conta como marco inicial o congresso internacional de intelectuais que a nossa cidade sediou em 1954 e do surgimento de ateliês de mestres vindo de outros lugares assim como o aparecimento da escola de belas artes logo depois. Eu costumo dizer que o ano de 1954 foi uma espécie de “semana de 22” numa análise forçada com a mítica semana que introduziu oficialmente o modernismo no confuso e polemico sistema cultural de nosso país... No pós modernismo ainda vivemos a ressaca de um modernismo artificial que em meu entender ainda carece de ser mais bem compreendido por todos os brasileiros...

Goiânia sofre com a escassez de espaços para as artes visuais, e os que têm estão quase sempre nas mãos de pessoas reacionárias que não gostam ou não compreendem a arte local; As faculdades de arte local em minha modesta visão ressentem de um conceito superficial e à deriva que se instalou no sistema, que mais confunde o calouro do que o prepara para uma suposta “vida de artista”. O mercado de arte local deu uma retraída em relação ao festivo comercio que teve seu ponto culminante na década de 80; o publico local, assim como em escala global demonstra estar embotado com tantas peripécias do mundo pós dadaísmo e parece querer voltar para um porto estético mais conhecido, mais claro (é sintomático que a arte figurativa a nível internacional retorna com toda sua vigor), embora a capital Goiana ainda não percebesse claramente esta mudança de habito no mundo da arte contemporânea..., mas caminhamos para um inexorável amadurecimento cultural. É inevitável.

9. O que você espera despertar com a sua obra? Já sabe qual será a localização da sua vaca?

- Eu acredito que a arte tem um papel importante na sociedade contemporânea, sempre teve; ela alimenta nossa alma, restaura e regenera nossa capacidade de sonhar, quando falo de arte penso no circulo completo: Literatura, musica, artes visuais etc. E tanto tempo que estou nesta lida, eu tento imprimir entusiasmo ao espectador de meu trabalho, não faço distinção de publico, só não gostaria de ver meu trabalho menosprezado por preconceito ou descartado antes de ser avalizado. Acho que tudo precisa de tempo para ser processado de forma mais segura. Eu não sei em qual local a minha escultura do COWPARADE será exposta na capital, no entanto gostaria que não fosse ignorada nas ruas da cidade e que ela possa despertar emoções de gosto ou mesmo de desgosto.

10. Gostaria que me contasse um pouco mais sobre a sua carreira artística. Como e quando começou, movimentos ou outros artistas que te inspiram, a principal temática de suas obras, o seu diferencial como artista, a sua formação, exposições de destaque...

- Nasci em Montalvânia – MG  em 1963, me considero um eterno estudante (autodidata) comecei a pintar por iniciativa própria, freqüentei algumas aulas de arte no curso livre da universidade Federal de Goiás mas logo desisti porque morava longe da capital e foi lá  na Faculdade, numa palestra de um critico de arte de São Paulo, que não mais me recordo o seu nome, é que vi  uma projeção do trabalho ilusionista de M.C. Escher e me encantei com sua maestria, e a partir deste momento fiz vários trabalhos inspirado na obra deste Holandês internacional, interpretei Escher à minha maneira, mais orgânica, porque o mestre Europeu é ciência e matemática pura. A minha vocação artística despertou ainda muito cedo quando eu era criança pois nunca duvidei de que este era o caminho que eu deveria trilhar; como toda criança o desenho era espontâneo e tomava grande parte de meu tempo; porem só vim a ter o primeiro contato com arte aos 17 anos quando eu morava em uma chácara no interior de Goiás e fui passear na capital Goiânia,  onde entrei em na lendária e extinta galeria de arte CASA GRANDE e deslumbrei ao ver os trabalhos de grandes artistas de Goiás ali exposto. Já no ano de 1982 eu já pintava e mandei uns quadros para um salão da Funarte (o V Salão Nacional de Arte do Rio de Janeiro) no qual fui um dos 06 artistas do Centro-oeste selecionado para representar a região no MAM – Museu de Arte Moderna  do Rio de Janeiro. Em 1991 fui um dos ganhadores da Bienal de arte de Goiás no qual o premio foi uma viagem a Paris e assim permaneci por 11 anos residindo principalmente na Grécia com temporadas no Egito, Israel e Itália, onde realizei várias exposições no período.

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